Ninguém entendia o que ela realmente queria. Mais ninguém acreditava nos olhos marcantes de mulher perdida. Vinte e dois anos vividos. E ninguém sabia o real motivo de tamanha libertinagem. Alguns ainda sentiam pena, mas era apenas isso. Depois de tantos anos arrancando pedaço das pessoas, destruindo a felicidade alheia e sabotando a própria, pena era o único sentimento que ela ainda despertava nas pessoas. Principalmente depois do acontecido. Antes ela costumava despertar outros sentimentos. Mas o tempo se encarregou em tornar as pessoas indiferentes. À ela, aos seus atos e suas palavras.
7:21
Era manhã de domingo. Raul caminhava pelas ruas da Villa Vicente em direção à padaria. Acostumado, aos domingos o rapaz sempre acordava cedo, buscava o pão, a família tomava o café e depois ele e a irmã mais nova iam à missa das 9:00. Aquele não foi um domingo comum. Ele a encontrara. Jovem e bonita, como sempre, porém suja e machucada. O vestido amarelo que ganhara da avó no natal estava rasgado, em uma das mangas e na saia, até a cintura. Um seio e as pernas totalmente expostos. Os pés descalços. O cabelo, ruivo e cacheado, esparramado pelo chão. Os braços, pernas e rosto estavam arranhados. Nos lábios, o mesmo batom vermelho, antes sempre forte, agora fraco e borrado.
Raul caminhou até a moça. Pensava se realmente deveria fazê-lo, temendo ser visto com ela naquele estado. O que os outros diriam? A dúvida durou pouco tempo. Ele optou por não deixá-la ali, daquele jeito. Pensou que Deus não iria julgá-lo, já que o fazia pelo bem, sem quaisquer outras intenções. Agachou a um passo do corpo esparramado e sussurrou o nome dela, sem tocá-la. Nada aconteceu. Ele tocou-a pelo braço. Estava gelada. Mesmo com as chuvas e o tempo sempre nublado, ele sabia, ela não estava gelada de frio. Colocou dois dedos sobre a parte distal do antebraço, não tinha pulso. Ela estava morta.
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